quarta-feira, 4 de março de 2015

Por que detesto o filme “As Pontes de Madison”

*Contém Spoiler sobre o filme.

Quando me apresentaram o filme “As Pontes de Madison”, me disseram que era uma das maiores histórias de amor já vistas no cinema. Assisti e fiquei com a sensação que aquilo não era bem amor e sim uma ilusão.

O filme é sobre uma dona de casa que vive em função da família: marido e filhos, lá em uma cidade do interior dos Estados Unidos. Um dia o marido viaja com os filhos e a dona de casa conhece um fotógrafo que estava de passagem e vivem quatro dias de paixão. Aqui é importante ressaltar que são quatro dias de PAIXÃO (não amor como vende o filme). Depois de anos os filhos dessa dona de casa encontram cartas dela contando sobre este relacionamento com o fotógrafo que os fazem questionar os próprios casamentos.

Essa história não é sobre amor e sim sobre paixão, sabe por que? Porque é fácil gostar de alguém que você mal conhece, quando você se apaixona, você enxerga a pessoa do jeito que quer enxergar, ela é a pessoa mais interessante do mundo, a mais sexy, o jeito que ela mexe no cabelo é único, ela te faz se sentir feliz, único e especial. É só ela chegar perto que você sente seu coração acelerar e ele se aquece, você quer ficar abraçado dias e dias sem soltar, você fica disposto e corado, se sente mais bonito e mais corajoso, pronto para enfrentar o que vier. Você se imagina envelhecendo ao lado da pessoa e faz mil promessas, e acredita que aguentará tudo, mesmo quando a pessoa estiver roncando ao seu lado, o ronco dela será uma bela sonata para os seus ouvidos. E logo que conhecemos uma pessoa mostramos nosso melhor lado: serenidade, sorrisos, beleza, alegria, conversas legais sobre a vida, sobre filmes, sobre livros. Não ficamos mal humorados, não ficamos chatos, não falamos sobre as contas que temos que pagar, sobre quem vai levar o filho para a escola, etc.

Quatro dias são poucos dias pra você aprofundar um relacionamento, e por isso que tanto a dona de casa quanto o fotógrafo ficaram com a sensação de que um era o amor da vida do outro, porque viveram quatro dias de paixão, de ilusão, de relação superficial, sem um conhecer o outro verdadeiramente e como o relacionamento não foi para frente por motivos de força maior, eles ficaram com a sensação de que foi O relacionamento. Será que se eles tivessem se conhecido antes dela ser casada e ter filhos (e por isso que ela optou em não ficar com ele) e tivessem casado e tido filhos, eles continuariam com essa sensação de que um era o amor da vida do outro?

Estou lendo um livro chamado “Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos” do Zygmunt Bauman, que fala sobre a nossa geração que quer ser feliz a qualquer custo e de forma rápida, adquirindo produtos para tentar satisfazer essa necessidade de prazer imediato. Os relacionamentos se tornaram bens de consumo. Segundo Bauman, amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.

Esses dias li um texto, desses textos legais sobre a vida que sempre aparecem no site obvious ou no Sobre a Vida, que falava que queremos viver romances como nos filmes, porém os filmes românticos só mostram o início do relacionamento, geralmente um casal que se conhece, tem uns problemas no percurso, ficamos torcendo para eles ficarem juntos e quando eles finalmente ficam juntos o filme acaba. E o que acontece com aquele casal apaixonado? Observem que os filmes que mostram casais juntos por muito tempo são classificados como drama...

Um filme que gosto muito é o “Antes da Meia Noite” que é o último da trilogia  “Antes do Amanhecer” e “Antes do Pôr-do-Sol” que mostra como estão Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) depois de casados. Esse sim é um filme sobre amor. (Spoiler) Porque mostra que apesar deles terem se apaixonado e por terem se separado de forma antecipada, ficaram com aquele gostinho de ‘quero mais’ e a sensação de que um era o amor da vida do outro (no Antes do Amanhecer), e nos filmes seguintes eles se reencontram e ficam juntos e formam uma família, e o último filme mostra o casal não tão apaixonado quando se conheceram, porém finalmente se amando, ou seja, mesmo conhecendo o pior lado do outro, ambos se esforçam para manter e transcender o relacionamento.

Não acho que devemos ficar em relacionamentos ruins, porém não podemos nos iludir que os relacionamentos serão só flores, os momentos difíceis irão acontecer, depois de anos juntos, em alguns dias você irá se apaixonar novamente pela pessoa que está com você, em outros você a achará insuportável, em alguns dias você irá querer largar tudo, em outros você terá a plena certeza de que vale a pena regar aquela plantinha chamada “relacionamento”. E é por isso que odeio o filme “As pontes de Madison” porque ele nos vende que o verdadeiro amor só acontece quando estamos apaixonados e isso é uma mentira, o verdadeiro amor acontece na convivência, no dia a dia, na superação dos obstáculos, nos pequenos sacrifícios pelo outro, no amar sem esperar nada, no entender o parceiro mesmo quando ele está insuportável, chato, melancólico, com medo ou surtado. As pessoas são assim: imperfeitas. E o amor está em compreender estas imperfeições e amar a pessoa mesmo assim.

P.S. Algumas pessoas se irritaram comigo por eu ter falado que não gostei do filme "As Pontes de Madison". Gente essa é uma opinião PESSOAL. Não fiquem ofendidas. Gosto cada um tem o seu. Essa foi minha percepção sobre o filme, uma pessoa disse que eu não entendi o filme, que na verdade é uma história de abdicação e sacrifício. Concordo sim com isso, pois a dona de casa não largou sua família para ir atrás do fotógrafo, isso é um ato de amor à família. A única coisa que discordo é ela ter achado que aquela paixão que viveu em 4 dias era o amor da sua vida, esse é o meu ponto. Ela vivenciou ótimas sensações, se apaixonou, talvez se ela tivesse ficado com ele poderia dizer que realmente era o amor da vida dela, mas não dá pra saber...